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TEA: Uma Forma Diversa de Ser e de Habitar o Mundo

Um menino de cerca de 4 anos sorrí, mostrando as mãos pintadas de tinta. Aparecem na imagem o símbolo do autismo em quebra-cabeça colorido e a palavra autismo.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) não é uma doença. É uma configuração neurodivergente, uma forma diferente e válida de processar o mundo. Para entender o autismo, é preciso abandonar a ideia de déficit e começar a pensar em diferença – uma diferença que se expressa em múltiplas dimensões da experiência humana. O convite é olhar sem pressa, desarmar os julgamentos e ampliar nossa ideia do que é ser pessoa ativa e respeitada na sociedade. A inclusão verdadeira nasce desse olhar, que acolhe sem desqualificar nem invalidar


Viver em um mundo neurotípico pode ser uma experiência de constante tradução para quem está no espectro autista. As dificuldades de comunicação, por exemplo, muitas vezes não estão na vontade de se conectar, mas nos códigos diferentes. Pode ser uma linguagem mais direta, um entendimento literal das palavras, um rosto que não segue os manuais de expressão esperados, ou um silêncio que é, na verdade, um profundo processamento. Ouvir essa linguagem é uma arte. É perceber que a conexão existe, mas pode chegar por caminhos inesperados.


No cotidiano, isso se traduz em particularidades profundas. A seletividade alimentar, tão comum, é frequentemente lida como birra. Mas ela nasce de um sistema sensorial que pode experimentar o mundo de forma mais intensa – onde a textura de um alimento pode ser uma invasão, o brilho de uma luz, um corte, e um perfume, uma névoa espessa. É uma experiência corporal real, não um capricho. Da mesma forma, a aparente rigidez, a necessidade de rotinas e previsibilidade, é o que constrói um porto seguro em um mar de incertezas sensoriais e sociais. É uma estratégia de sobrevivência e autorregulação.


E no centro dessa experiência, muitas vezes, está o hiperfoco – um estado de concentração tão profundo e absorvente que a pessoa se funde com seu interesse. Longe de ser um simples hobby, é um portal para a maestria, uma forma de engajamento com uma intensidade que poucos conhecem. É nesse estado que muitos talentos únicos florescem, da arte à tecnologia, da memória meticulosa à paixão por padrões complexos. É uma das grandes forças do desenho autista.


Compreender o TEA é, portanto, um exercício de humildade e curiosidade. É perceber que a mesma mente que pode se perder em uma conversa casual é capaz de decifrar sistemas intrincados com facilidade. Que o corpo que rejeita um alimento pode ser extraordinariamente sensível à música ou à textura de um tecido. Que a pessoa que precisa de uma rotina clara para funcionar pode, dentro dessa estrutura, ser incrivelmente criativa e inovadora.


A jornada de uma pessoa autista, e de suas famílias, é única. Por isso, o acompanhamento por profissionais especializados – como neuropsicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos – não visa a "normalizar", mas sim apoiar. Tem a intenção de construir pontes entre os dois mundos, desenvolver estratégias para os desafios diários e, principalmente, fortalecer a autoconfiança para que a pessoa possa florescer em sua singularidade. O objetivo final nunca é deixar de ser autista, mas ser plenamente quem se é, com dignidade e apoio.


Nayara Mota

Neuropsicóloga

CRP 03/PJ969

 
 
 

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